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sábado, 9 de julho de 2011

Carta a um Jovem Pastor Reformado: Cuidado com a Maledicência



Alberto Costa

(A carta abaixo é para um personagem fictício – embora baseada em fatos muito comuns entre pastores e seminaristas nos dias de hoje).

Caro Simão,

Recebi o email em que você critica aquele famoso pregador britânico. Lá você disse que ele compromete a fé da reforma, por causa de uma mensagem que ele pregou há vários anos, em que, num dado momento, ele expressa sua posição sobre a liturgia cristã e o uso da música no culto público. Notei também que você não aprecia muito o modo como ele se veste e que o fato dele haver chamado aquele outro pregador, de tendências contemporanistas, para pregar em sua igreja faz dele, definitivamente, alguém que rompeu com a fé da reforma. Você o chama de neo-calvinista e diz que falta-lhe a solidez bíblica de homens como Calvino, Lutero, Owen, Baxter, Edwards, Hodge, Kuyper, entre outros.  Diz que sua contribuição fica empalidecida por causa de algumas dessas posições suas e que, nossos pais no passado, contribuíram muito mais para o bem da ortodoxia cristã.

Bem meu irmão, visto que você me escreveu sobre o assunto – e como você tem usado as redes sociais como facebook, twitter e o blog para expressar suas críticas, senti a necessidade de orar a respeito de seus textos e preparar-lhe esta resposta. Peço até desculpas se você se sentir ofendido por algo, pois, como diz minha mulher, estou ficando um tanto rabugento com a idade.

Minha preocupação com assuntos como esses sendo tratados em listas de discussão na internet, em blogs, facebook e outras redes sociais não é, muitas vezes, com o mérito a respeito da contribuição desse ou daquele, pelo contrário. Preocupa-me mais o fato de termos um problema ético.

Sabe, na academia, talvez possamos dar-nos o direito de acusar de erro esse ou aquele autor, à distância – nesse caso, é exigido que oponhamos argumentos a pontos específicos e os documentemos e publiquemos para dar oportunidade à tréplica. Dizer que um argumento não convence implica, por honestidade intelectual, apresentar um argumento de melhor qualidade.

É o mínimo que devemos no ambiente externo à academia. Dizer "fulano está errado" ou "a contribuição desse ou daquele está sendo sobrevalorizada", sem oferecer uma discussão circunstanciada e embasada de pontos específicos, com o propósito de ensinar quem carece de ensino ou de corrigir quem carece de correção, não constitui um serviço prestado às igrejas, em geral, e aos discípulos, em particular, e fica muito próximo de "partidarismo e maledicência" (no ambiente acadêmico, os nomes seriam outros, com mais latim,  ex isso, ex aquilo). E temos (eu também e não poucas vezes, no passado) feito isso amiúde.
Estou chamando a atenção para esse ponto, meu irmão, por dois motivos:
  • Protege-nos de nos deixarmos levar por tentações típicas não só (mas também e com muitas evidências) do movimento reformado: idealizar movimentos e autores do passado distante e desenvolver uma incapacidade notável de manter diálogo respeitoso com nossos contemporâneos e cooperação com aqueles mais próximos de nós. Motivo: é muito mais fácil ver os defeitos dos que estão mais próximos e achar que, em comparação, os antigos eram, na pior das hipóteses, um ideal buscável; duvido que fôssemos tão positivos assim em relação a Owen, ou Baxter, por exemplo, se fôssemos seus vizinhos de quarteirão ou se fôssemos pastores de alguma igreja na cidade vizinha à dele, na época dele;
  • Incentiva-nos a ser propositivos: em vez de ficarmos dizendo o que achamos uns dos outros deveríamos expor o nosso ponto, Bíblia aberta e exposta, de modo que pudéssemos ser julgados por tantos "bereanos" quantos haja em nosso meio, examinando as Escrituras para ver se não estamos "pisando na bola".
É algo bem comum lermos ou ouvirmos comentários que diminuem o valor desse ou daquele irmão  (e até o acusam de erro) sem ser comum, frequente ou, mesmo, sem acontecer de jeito nenhum, uma exposição do ponto, com começo, meio e fim, que possa ser útil a quem está aprendendo. Um comentário como o que você fez a respeito daquele famoso pregador – e todos nós já fizemos em algum momento a respeito de alguém – não expõe o erro com argumento escriturístico, não ensina a verdade com argumento escriturístico, não constrói coisa alguma, exceto uma predisposição negativa a respeito de alguém que está, a duras penas, como todos nós, tentando realizar o ministério em meio a todo tipo de contradição, limitação intelectual, tentação e ambiente de luta espiritual. Se acusar aquele irmão pudesse edificar uma única congregação de 30 cristãos, eu mesmo poderia fazê-lo – e de bom grado. Mas, não sendo útil a ninguém, tudo o que resta é um certo gosto de, como eu disse antes, partidarismo e maledicência, no que temos nos tornado mestres, um hábito, não raro, contraído na academia – no seminário onde estudei, tínhamos,em meu tempo, uma praça com esse apelido: praça da maledicência.

O fato é que temos, com nossos comentários e teclados afiados, desenvolvido mais "impressões" e "predisposições" a respeito de pessoas com as quais nunca trocamos palavra, sem, com isso, acrescentar uma vírgula ao conhecimento de Cristo que temos e que têm os nossos irmãos.

Paulo se refere à repreensão que proferiu a Pedro, como exemplo no contexto de uma exposição trabalhosa do Evangelho, com o objetivo de edificar os gálatas. Nós, sem fazermos exposição de coisa alguma, damo-nos o direito de dizer que achamos que Pedro mais atrapalha que ajuda. Não se trata, então, de uma discussão teológica, mas de uma atitude ética que devemos rever.

Então, meu irmão, nesse ponto minha preocupação vai muito além da pessoal e teológica – é comunitária e tem a ver com conduta ética. Qualquer um pode discutir cessacionismo, milenismos, landmarquismo, confessionalismo, liturgismos, etc..Mas, o nosso desafio é edificar igrejas missionárias, qualificar santos para a obra do ministério em qualquer área da vida e fazer isso rápido (e não em décadas), preparar presbíteros (que raramente os temos em condições de ouvir o discurso de Atos 20:18-35). Com graça, paciência e iluminação vamos resolvendo as questões mais periféricas de nossas diferenças teológicas. Neste ponto, temos de saber em que eu concordo e como posso cooperar com o meus irmãos na reforma que há por fazer, e isso é mais importante do que afirmar que o Fulano ou Sicrano não contribui o suficiente com o calvinismo porque ele advoga esse ou aquele ponto com o qual não posso concordar, seja qual for.
Estou sendo honesto, irmão, e afirmando minha disposição de achar pontos comuns em vez de ficar discutindo a miríade de assuntos polêmicos dos quais gostamos de nos ocupar. E fazer o ministério em vez de ficar na retranca, cuidando para não levar gol.

Para você Simão, um grande e saudoso abraço. Espero revê-lo em breve.

P.S.: É curioso que o texto que você citou como alvo de suas críticas tem mais de 25 anos.  Há 25 anos nem eu – e nem você e, quiçá, nem o pregador que você critica – cria em tudo que cremos agora; há 25 anos, eu achava, inclusive, que eu valia alguma coisa e sabia mais que meu pai. Uma esposa (bodas de pérola já completadas), três filhos e todos os pecados dos últimos 25 anos derrubaram a ilusão do machão aqui.

Fonte: Blog Fiel

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