Pr. Wagner Antonio de Araújo
Carlos era o típico crente "meia boca" (regular): ia à igreja,
cantava, às vezes orava em público, entregava algum dízimo. Levava uma vida
despreocupada, cônscio de que não era isso que o Senhor queria dele.
Sua quarta-feira à noite era ocupada pela faculdade. Mas nas férias ele
não priorizava ir à igreja. "Tenho direito ao descanso", falava. Sua
mãe dizia: "Filho, você precisa colocar o Reino de Deus em primeiro
lugar!" Não adiantavam os conselhos da mãe. A Bíblia ele usava bastante,
mas na igreja. Sabia achar as referências e acompanhava o sermão. Mas que não
se esperasse dele um tempo de leitura bíblica em particular. Ele não tinha
tempo. Trabalhava, estudava, namorava, estava muito cansado.
Um dia surgiu-lhe uma pequena dor no lado direito da garganta. Ele
pensava que era algum nervo, algum tendão, algum mal jeito. A dor persistia e
ele incomodou-se com aquilo. Tomava analgésicos e minimizava o desconforto. Mas
assim que o efeito passava a dor voltava. Não deu pra fugir: teve que ir ao
médico. Este, examinando-o externa e internamente, ficou temeroso. Escreveu
algumas coisas no papel, pesquisou no computador e criou um clima de
expectativa. "É sério, doutor?" "Carlos, lamento dizer mas terá
que fazer uma biópsia. Eu não estou gostando do que vi".
Carlos desesperou-se. Tão jovem, nem 30 anos de vida e já com câncer? E
a biópsia? Deve ser horrível e dolorosa! Falou com os pais, que ficaram muito
preocupados. Marcou o exame e foi fazê-lo. Estava desesperado. Deram-lhe
anestesia local e, assim que voltou a si, foi dispensado, devendo aguardar o
resultado para a semana próxima.
"Meu Deus", orou Carlos, "tenha misericórdia de
mim!". Ele orou com vigor e com desespero.
Na semana seguinte passou no laboratório, pegou o exame e levou ao
médico. Este, ao abrir, fez cara de desolação. Carlos arrepiou-se. "É
grave, doutor?" "Sim, Carlos. Você está com câncer. Vamos torcer para
não ter metástase. Tire uma semana de férias e venha na próxima semana para
iniciar exames e quimioterapia.".
O mundo caíra para Carlos. O que fazer agora? Para ele isso só acontecia
para as outras pessoas, não na sua própria vida. De repente tudo muda e agora
ele está em prantos. Tantos planos, tantos sonhos, tanta energia, tudo em vão!
Carlos pensou: "Hoje é terça-feira e tem reunião das senhoras. Eu
irei. Vou pedir para que orem por mim". E foi mesmo. Sua mãe estava lá e
estranhou o filho. Ele nunca fora num dia de semana. Mas participou e pediu em
lágrimas as orações. No dia seguinte ele pensou: "hoje tem culto de
oração; não posso perder. Vou buscar ao Senhor!" Ao chegar à igreja o
pastor alegrou-se, mas logo tornou-se apreensivo, pois o caso de Carlos parecia
muiito grave. Oraram por ele. No fim do culto Carlos foi para casa, trancou-se
no quarto e decidiu ler a sua bíblia. Leu com vontade, com força, com vigor.
Leu João inteirinho. Saboreou cada versículo. Havia momentos em que esquecia a
enfermidade; de repente, como se a dor lhe sussurrasse, ele se lembrava do
câncer e o suor gelado lhe invadia. Ele se ajoelhava e clamava, pedindo por
misericórdia.
Na quinta-feira, depois do trabalho, soube que um grupo de evangelismo
estaria reunido num lar. Ele foi também. E após o encontro decidiu novamente
ler a sua bíblia. Desta vez leu 4 epístolas de Paulo. Como eram maravilhosas!
"Pena que já é tarde demais...", pensava ele.
E assim passou-se a semana. Quando ele se lembrava dos exames e da
quimioterapia sentia o mundo cair, sentia a morte bem de perto e pensava:
"Por que não busquei a Deus como deveria? Senhor, tenha piedade de
mim!"
Na segunda-feira às oito da manhã Carlos já estava na recepção do
hospital. Pegou a senha e aguardou a sua vez. Ao ser chamado foi apresentar-se
ao médico. Este, ao vê-lo, abraçou-o e perguntou como estava. Carlos disse que
estava desesperado. O médico então lhe falou: "Carlos, nem sei como dizer
isso a você. Mas tivemos um sério problema no HD do computador do laboratório.
Eles inverteram os resultados e confundiram os nomes. O seu resultado não era
aquele. O seu está aqui nas minhas mãos. Você não tem câncer; só está com uma
irritação fácil de tratar. Gostaria que nos desculpasse..."
Carlos começou a chorar copiosamente. O próprio médico emocionou-se com
ele. De tanto chorar ele ajoelhou-se e orou: "Senhor, muito obrigado!
Aprendi a lição! Obrigado pela chance de recomeçar do jeito certo! Ajuda a
pessoa que está com o câncer registrado na ficha que estava comigo, para que
também confie em Ti. Em nome de Jesus, amém!"
Carlos estava feliz! Ligou pros pais, pra namorada e para os amigos.
Todos ficaram felizes por ele! Marcaram uma comemoração na pizzaria próxima da
igreja. Foram lá e celebraram. Quando chegou em casa, cansado, feliz, olhou
para a Bíblia e pensou: "ah, bíblia, agora você pode esperar; tenho muuito
tempo para você; a oração também poderá esperar; já não estou em apuros como
antes". E foi ao banho. Enquanto tomava banho, o Espírito Santo trouxe-lhe
à lembrança de forma dura e bombástica a mão gigante que escrevia na parede,
nos dias do profeta Daniel:"tequel: Pesado foste na balança, e foste
achado em falta." (Dn 5:27). Em seguida lembrou-se da frase do
Senhor ao homem curado no tanque de Betesda: "Depois Jesus encontrou-o no
templo, e disse-lhe: Eis que já estás são; não peques mais, para que não
te suceda alguma coisa pior." (Jo 5:14). E para terminar o
Espírito Santo o fez recordar da ameaçadora realidade: "Horrenda
coisa é cair nas mãos do Deus vivo." (Hb 10:31). Carlos percebeu
que o que pensara era idéia de Satanás, visando esfriar-lhe novamente a fé pelo
aparente fim das dificuldades. O inimigo queria separar-lhe da comunhão,
levando-o a buscar a Deus por puro interesse, buscando apenas bênçãos, uma
troca de favores. Se aflito ou com problemas, Deus é o socorro eficaz; mas
finda a tempestade, Deus volta para a prateleira de remédios e ao lugar
medíocre e esquecido da ingrata alma humana...
Após o banho ficou no seu quarto, de joelhos, buscando a presença de
Deus e fez com Ele um propósito: "Senhor, sou um pecador. MAIS PERTO QUERO
ESTAR DE TI, INDA QUE SEJA A DOR QUE ME UNA A TI". Dê-me a graça de Te
servir com tanto vigor agora quanto te servi quando pensei que estava para
morrer. Que eu não precise de apuros para cumprir o meu compromisso de colocar-Te
em primeiro lugar de minha vida. Que eu não seja ingrato para com a Tua graça
demonstrada em meu favor, primeiro em me salvar, e agora em me curar e tirar o
desespero. Que eu Te seja grato. Em nome de Jesus. Amém".
Carlos venceu. Não sem dificultades, pois as tentações foram muitas.
Muitas vezes as diversões, os prazeres, as banalidades e frivolidades lhe
seduziam momentaneamente. Mas ouvia sempre os alertas do Espírito Santo em
forma de lembranças da Palavra, ou de admoestações dos irmãos em Cristo e dos
pais amorosos e corria novamentel para uma vida de consagração ao Senhor.
Que o exemplo desse jovem sirva e estímulo a todos os leitores que
também andam às raias dos conflitos entre colocar Deus e o Seu Reino em
primeiro lugar ou os desejos pessoais do coração.
O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as
confessa e deixa, alcançará misericórdia. (Pv 28:13)
Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas do Rodoanel, Carapicuíba, SP