por Sinclair Ferguson
“Devo enfatizar novamente que a doutrina da justificação pela fé não é o que Paulo quer dizer com ‘o evangelho’. Ela está implícita no evangelho; quando o evangelho é proclamado, as pessoas chegam à fé e são consideradas por Deus como membros do seu povo. Mas ‘o evangelho’ não é um relato de como as pessoas são salvas.”
—N.T. Wright, What Saint Paul Really Said, pp. 132–33
Há uma plausibilidade marcante em dizer que a “justificação pela fé não é o que Paulo quer dizer com ‘o evangelho’”. Afinal, como N. T. Wright observa em outro lugar, não somos justificados crendo na justificação pela fé, mas crendo em Jesus Cristo.
Tudo isso soa como Lutero. Ele não afirmou que o evangelho está “inteiramente fora de nós”?
Talvez seja esse o antídoto há muito esperado para o individualismo evangélico e uma cura para o subjetivismo? Claramente o Bispo Wright e outros creem que sim. Em outra parte, o Dr. Wright confessa o grande alívio que sentiu ao descobrir que não somos justificados por crer na justificação pela fé.
Mas isso já sugere que a plausibilidade dessa perspectiva dificilmente condiz com a realidade. Essas palavras parecem descrever uma fuga da imaturidade teológica de um evangelicalismo primitivo. Mas tendo sido educado no mesmo tempo desse tal evangelicalismo, eu questiono seriamente se tal ensino já existiu em alguma forma séria. Isso deveria fazer que reconsiderássemos a aparente plausibilidade do que está sendo dito aqui. No final do dia, isso pode se revelar um truque de magia – por várias razões. O que segue abaixo são três dessas razões.
Primeiro, há uma falsa dicotomia sugerida na noção que o evangelho não é a justificação pela fé, porém a última está “implícita” no evangelho. Mas essa forma de pensamento “isso ou aquilo” expressa a falácia lógica tertium non datur (se não A, então necessariamente B). Dessa forma, o evangelho é Cristo OU é a justificação pela fé.
Isso é abstrair falsamente a justificação de Cristo, o benefício (a implicação do que Jesus fez) do Benfeitor (a pessoa de Jesus, que realizou a sua obra). Mas como observa Paulo, Cristo mesmo foi feito justiça por nós (1Co 1.30). A justificação não pode ser separada de Cristo como se fosse uma “coisa” à parte ou adicionada a ele. Cristo mesmo é a nossa justificação. Não temos justificação sem Cristo! Nem podemos ter Cristo sem a justificação! Diante dessa verdade, não podemos dizer que Cristo, e não a justificação pela fé, é o evangelho.
Segundo e talvez mais surpreendente, dado o comentário extenso de N. T. Wright sobre Romanos, o próprio Paulo nos fornece o que ele chama “meu evangelho” (Rm 2.16). Mas esse evangelho é poder salvador (1.16-17) – dessa forma, “ser salvo” é parte do evangelho. Além disso, não somente Romanos 1 a 3 está incluso, mas também Romanos capítulos 4 a 16. Mais incisivamente, Romanos 12 a 16 está incluído. Em linguagem técnica, não apenas o kerygma (a proclamação de Cristo e da sua obra) está inclusa, mas também o didache (a aplicação dessa obra em e à vida do crente e da comunidade).
Logo cedo Paulo acreditava que a distorção e falsificação do evangelho que estava acontecendo na igreja gálata envolvia a aplicação da redenção. A justificação pela graça somente, em Cristo somente, por meio da fé somente, é parte do Evangelho assim como Cristo tornando-se maldição por nós na cruz (Gl 3.13).
Finalmente, a menos que estejamos familiarizados com o contexto das palavras de Wright citadas acima, podemos não notar mais um truque de magia ocorrendo.
Na declaração “quando o evangelho é proclamado, as pessoas chegam à fé e são consideradas por Deus como membros do seu povo”, a própria “justificação” está sendo radicalmente redefinida. Aqui ela não mais significa “ser considerado justo aos olhos de Deus, embora um pecador culpado em si mesmo”. Ela significa “ser considerado como membro do seu povo”. A justificação não pertence mais à definição do evangelho como tal, a perdão e aceitação, mas refere-se à membresia na comunidade do pacto.
Mas isso enfrenta problemas insuperáveis. Trata-se de um entendimento excêntrico dos termos gregos utilizados por Paulo. Fosse “justificação” a antítese de “alienação”, o argumento poderia ser mais plausível. Mas “justificação” é a antítese de “condenação”. Sua ênfase primária tem a ver com transgressão, culpa e castigo – está ligada à santidade de Deus expressa em normas legais, não primariamente a um relacionamento com a comunidade.
A membresia, portanto, é uma implicação da justificação; ela não é o que significa justificação. Esse é o porquê a confissão do evangelho que “Jesus é Senhor” (1Co 12.3) nunca deve ser entendida à parte da interpretação dela fornecida em 1 Coríntios 15.1-3 – que “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras”. Isso Paulo chama especificamente de o evangelho. Ele trata em primeiro lugar com o nosso pecado, poluição e culpa como as razões para exclusão da presença de Deus. Sim, justificação é uma linguagem relacional. Mas não é uma linguagem menos forense por essa razão – visto que ela lida com nosso relacionamento com o santo Senhor e Legislador!
É correto preocupar-se que a objetividade do evangelho jamais deveria ser engolida pela subjetividade, ou a comunidade da igreja destruída pela individualidade. Mas o entendimento do evangelho e da justificação em Lutero e Calvino, em Heidelberg e Westminster, fornece todas as salvaguardas necessárias. O vinho velho é melhor. Ele satisfaz tanto os requerimentos do ensino bíblico como a fome mais profunda do coração humano despertado.
Fonte: http://www.ligonier.org/
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (5 de fevereiro de 2011)
http://monergismo.com/?p=2791
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